Women in Society foi criado com o objetivo de juntar dois tipos de arte diferentes e explorar assuntos contemporâneos: o feminismo e o papel da mulher na sociedade. Foi criado por três artistas de três áreas artísticas diferentes, criando uma apresentação que engloba as artes visuais e a música, revelando ao mesmo tempo as suas percepções sobre a igualdade de género. Um projeto sob a forma de uma exposição ao vivo que mostra uma perspectiva sob três formas de arte diferentes: composição musical, performance musical e arte visual.
O nosso objetivo é expandir este projeto no futuro, com mais concertos e apresentações por toda a Europa. Seria também uma mais valia colaborar com outros compositores, músicos e artistas visuais, uma vez que não é muito comum testemunhar este tipo de atuações nas quais o público é chamado para fazer parte da performance e de vivenciá-la como uma experiência tangível e sensorial. Nos dias de hoje, o papel da mulher na sociedade é um assunto ambíguo sendo que, por isso, houve muita pesquisa por trás deste projeto, uma vez que somos todos artistas interessados e dedicados a ele. Este é um projeto que visa uma sociedade progressista, enraizando as nossas crenças na igualdade e justiça. Para além de ser uma colaboração que vai além da tela e do papel, esperamos cativar o público e, consequentemente, trazer todos connosco numa viagem artística que representa a realidade de muitas pessoas.
No concerto, foi possível observar a intermediação entre música e instalação, complementando a temática feminista de forma profunda e sensorial. A componente visual do projeto foi criada com vários tecidos nos quais estão representadas silhuetas femininas. Alguns destes tecidos foram processados com recurso à cianotipia, onde as próprias mulheres se posicionaram sobre os tecidos enquanto os químicos eram expostos à luz, resultando em impressões dos seus corpos. Outros tecidos foram cortados ou cosidos com materiais adicionais, criando uma camada rica de texturas e formas. Este processo, de cariz quase primitivo, coloca o corpo como elemento central, transformando-o no principal material de criação das peças.
As obras foram dispostas à volta do palco, evocando um sentido de movimento e solidariedade entre as mulheres. A disposição das peças sugeria uma dança simbólica, um abraço mútuo, em que as mulheres se unem num círculo de apoio, reflectindo a força colectiva construída através da união. Este círculo de mulheres, abraçadas e fortalecidas umas pelas outras, representava o traço das adversidades que enfrentam, mas também a sua resistência e resiliência face a esses desafios.
A iluminação desempenhou um papel fundamental na criação da atmosfera da instalação, permitindo que certas figuras emergissem gradualmente enquanto intensificavam o contraste de outras, criando uma dinâmica visual que envolveu o público. As luzes não só realçaram as silhuetas, como também acrescentaram uma camada emocional ao ambiente, fazendo com que o público se sentisse imerso e ligado à experiência, reforçando o tema da luta, da irmandade e da luta contínua pela igualdade.
texto © Sílvia FerreiraPrograma
Voice (1971) de Tōru Takemitsu (1930-1986) | Para flauta solo
Para além da sua importância como peça de referência no repertório da flauta, esta composição vai para além dos seus aspectos técnicos: pretende misturar a sonoridade japonesa com a escrita musical ocidental. Foi também uma das primeiras peças para flauta em que o intérprete teve de falar, gritar e sussurrar, englobando vários tipos diferentes de técnicas alargadas para a flauta. Mais adiante na peça, podemos ouvir primeiro recitado em francês e depois em inglês: "Qui va là? Qui que tu sois, parle, transparence! Who goes there? Speak, transparence, whoever you are!"
Bioluminescence (2019) de Liza Lim (b. 1966) | Para flauta solo
Esta peça 'explora qualidades tremeluzentes e luminosas. A bioluminescência é a emissão de luz por organismos como pirilampos, fungos, algas e muitas criaturas marinhas. Um exemplo famoso é a lula havaiana que transporta bactérias cujas manchas luminescentes atuam como uma forma de “capa de invisibilidade”. A lula mistura-se com o luar numa noite estrelada, parecendo não fazer sombra na perspectiva de qualquer presa que se encontre por baixo', como descreve Liza Lim nas suas notas de performance. É uma composição com várias técnicas alargadas que se centram principalmente na utilização de chaves auxiliares da flauta para criar um efeito de trilos cromáticos, utilizando simultaneamente multifónicos exigentes e microtonalidade persistente.
Laconisme de l’aile (1982) de Kaija Saariaho (1952-2023) | Para flauta solo e eletrónica opcional
'Os fragmentos de texto são emprestados de Les Oiseaux, Birds, de Saint-John Perse, e o título refere-se a pássaros, significando algo como “os tersenes de uma asa”. Tinha em mente, apesar do canto dos pássaros, sobretudo as diferentes maneiras como os pássaros voam, ganhando a gravidade, atravessando o céu. A flauta solo desenha estas linhas no espaço acústico'. A escrita desta peça centra-se na mistura de ritmos da fala e timbres da respiração com uma expressão mais tradicional da flauta.
Transformation (2024) de Gonçalo A. Rodrigues (b. 1991) | Para flauta solo e eletrónica opcional
Esta composição mostra o processo de transformação de uma mulher que nasce frágil e sozinha neste mundo. Apresenta o crescimento por detrás de cada mulher, as mudanças por detrás da nossa perceção da sociedade e a forma como as mulheres se vêem nela. Os fragmentos de texto são do poema “The Introduction” de Lady Winchilsea do século XVII e do poema “Lady Lazarus” de Sylvia Plath. Percebe-se esta evolução ao longo da peça, que começa com um andamento mais estático e que se deleita com alterações microtonais e glissandos. Progressivamente torna-se mais ousado, alargando o registo e os intervalos da flauta, mas também explorando as nuances ao extremo. No final, ouve-se o excerto completo de “Lady Lazarus”: “Out of the ash I rise, with my red hair, and I eat men like air.”
O concerto foi a 13 de Maio de 2024, 12:00-13:00 | Rosenbergsalen, Musikhögskolan i Malmö
Performance por Inês Paiva
Arte visual de Sílvia Ferreira
Compositor: Gonçalo A. Rodrigues
Produtora: Inês Paiva
Assistente de som: Gonçalo A. Rodrigues
Assistente de vídeo e palco: João Costa Ferreira
Excertos de poesia de H.D., Margaret Atwood e Maya Angelou.
Excertos de poesia em contexto musical de S. J. Perse, Lady Winchilsea e Sylvia Plath.
Eurydice by H.D. [Excerto]
At least I have the flowers of myself,
and my thoughts, no god
can take that;
I have the fervour of myself for a presence
and my own spirit for light;
and my spirit with its loss
knows this;
though small against the black,
small against the formless rocks,
hell must break before I am lost;
before I am lost,
hell must open like a red rose
for the dead to pass.
Flying Inside Your Own Body by Margaret Atwood
Your lungs fill & spread themselves,
wings of pink blood, and your bones
empty themselves and become hollow.
When you breathe in you’ll lift like a balloon
and your heart is light too & huge,
beating with pure joy, pure helium.
The sun’s white winds blow through you,
there’s nothing above you,
you see the earth now as an oval jewel,
radiant & seablue with love.
It’s only in dreams you can do this.
Waking, your heart is a shaken fist,
a fine dust clogs the air you breathe in;
the sun’s a hot copper weight pressing straight
down on the think pink rind of your skull.
It’s always the moment just before gunshot.
You try & try to rise but you cannot.