fotografia © Sílvia Ferreira, Maria Inês Lourenço
cartaz © Inês Paiva
Mindful Image and Unique Beauty é um projeto de música de câmara que combina novas composições musicais com arte visual. Os concertos são definidos como exposições ao vivo onde o público se senta entre a arte e os músicos, desfazendo a linha que separa o artista do público.
O projeto envolve exclusivamente mulheres artistas de todo o mundo: quatro compositoras da Suécia, Alemanha e Chile, quatro músicos da Alemanha, Portugal, Espanha e Noruega e duas artistas visuais de Portugal. Este projeto oferece assim a oportunidade de colaboração intercultural e interdisciplinar.
A caraterística marcante deste projeto é a estreia mundial de música recentemente composta por mulheres. No contexto do tema global da beleza, a atenção centrar-se-á na aparência feminina e nos problemas que lhe estão associados.
O poema “Mirror” de Sylvia Plath é utilizado como fonte de inspiração para a nova música escrita e para as peças de arte, transmitindo a definição de reflexão que está diretamente ligada ao tema geral do projeto.
O projeto apresenta a beleza como um bem individual, independentemente da idade, peso, origem, cabelo e cor da pele. Queremos encorajar as mulheres a refletir sobre a sua própria interpretação da beleza, a aceitarem-se mais e a serem menos influenciadas pelos ideais de beleza do nosso tempo. Para nós, o objetivo do projeto é alertar a consciência das mulheres para a sua própria beleza individual, que é definida de forma completamente independente daquilo que a sociedade de consumo e a estética transitória nos ditam. Esperamos também chamar a atenção com o nosso projeto e inspirar outros artistas a criar projetos semelhantes.
A estreia foi a 7 e 8 de junho, 2025 no Inter-Arts Center (Black Room) em Malmö, Suécia.
Planeamos lançar um álbum por volta da primavera de 2026 com todas as composições que foram estreadas nestas datas. Outros concertos na Suécia e noutros países europeus estão planeados para o final de 2025 e 2026.
Uma das caraterísticas mais marcantes deste projeto é a colaboração multicultural e interdisciplinar. No contexto da música clássica, é muito difícil encontrar este tipo de colaborações entre diferentes formas de arte. Este cenário permite que o público tenha uma experiência sensorial maior e mais profunda quando assiste ao concerto. É uma oportunidade maravilhosa para a comunidade local sueca e internacional de experienciar esta visão artística no ambiente cultural de Malmö, motivando também outros artistas a envolverem-se em projectos e colaborações semelhantes.
Para além destes aspectos, é também importante descrever o objetivo do projeto na sua generalidade. É importante para o nosso projeto educar e criar consciência em torno da imagem e da beleza, atingindo subsequentemente todas as mulheres que não se identificam com os padrões sociais e todas as mulheres que foram levadas a acreditar que esta perfeição é a única perfeição que todas as mulheres devem procurar.
A beleza tem sido descrita ao longo de séculos de formas de arte, principalmente enraizadas na perspetiva masculina, no entanto, parece imprudente considerar a história através de uma lente tendenciosa. Estes conceitos dizem respeito a toda a gente e, como parte de uma sociedade capitalista, parece imperativo abordar estes aspectos que, apesar de parecerem insignificantes, ainda representam um papel importante nos dias de hoje. Associar a música à arte e à literatura permite alcançar todos os géneros nesta batalha contra os estereótipos, normalizando o envelhecimento como um processo natural e belo. Porque, no fim de contas, a beleza e a imagem podem de facto estar interligadas, mas é a singularidade de cada um que realmente importa.
"Agora sou um lago. Uma mulher inclina-se sobre mim,
Procurando nos meus alcances o que ela realmente é."
Excerto de Mirror de Sylvia Plath
Tradução de Inês Paiva - Original em Inglês
Mindful Image project and Unique Beauty é orientado pelo poema Mirror, de Sylvia Plath, a partir do qual Maria Inês Lourenço e Sílvia Ferreira iniciam a sua exploração plástica, conjugando-o com os lenços dos namorados. A escolha para representar a ideia dos lenços dos namorados não é aleatória. Este lenço, tradicionalmente português, teve origem no século XVIII na região do Minho, no norte de Portugal. Estes lenços eram confeccionados por jovens portuguesas em “idade de casar”, que bordavam os seus motivos favoritos num quadrado de linho. Originalmente, eram usados nos passeios de domingo, mas o seu principal objetivo era conquistar o homem que amavam. Com o tempo, a inclusão de mensagens escritas tornou-se comum, permitindo às mulheres dedicar poemas aos seus amados. Esta escrita era muitas vezes transcrita foneticamente à medida que falavam, reflectindo a pobreza educativa da época - muitas mulheres não podiam prosseguir os estudos devido ao seu sexo. Se o jovem aceitasse o convite do amor, usaria o lenço no bolso do casaco ou à volta do pescoço. Por detrás deste simples lenço de amor, esconde-se uma profunda dor social, incluindo a pressão exercida sobre as mulheres para pertencerem a um homem e deixarem de ser um fardo financeiro para as suas famílias.
As mulheres sem instrução, em busca de um “dono” que lhes garantisse a sobrevivência, dedicavam seus talentos ao bordado, demonstrando suas habilidades domésticas na esperança de serem escolhidas como uma esposa útil para o lar. Neste projeto, as artistas trabalham com lençóis usados, imprimindo imagens inspiradas nos lenços dos namorados através de técnicas de água e estampagem, enfatizando o papel doméstico historicamente atribuído à mulher. As artistas entrelaçam o poema com os lençóis, incorporando excertos escritos à mão. No entanto, devido à imprevisibilidade da água, o texto dissolve-se, deixando apenas uma ideia do poema. Este desvanecimento reflecte a forma como, tal como o espelho no poema de Plath, as mulheres que bordaram estes lenços aceitaram o parceiro que lhes apareceu - tal como a mulher no espelho aceita a imagem que reflecte - sem escolha ou arbítrio. Durante a performance, as peças - criadas em pares que se espelham umas nas outras - serão expostas penduradas à volta do público de uma forma que evoca um estendal. Esta instalação cria uma atmosfera que se assemelha ao centro de uma clareira, simbolizando o universo refletido no poema. Assim, o público encontra-se entre o refletido e o reflexo, ocupando um espaço intermédio - um limbo entre o que é, o que foi e o que poderia ser.
texto e fotografias © Sílvia Ferreira, Maria Inês Lourenço